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Não podemos fazer igual. Pois não?


RESUMO Parte deste texto centra-se no conceito de empowerment, ou, nalguns casos denominado de capacitação, e advocacia tendo por base o capítulo doze “Capacitação e Advocacia” da obra de Malcolm Payne “Teorias do Trabalho Social e Moderno” (2002). O principal objetivo deste texto é compreender o que está por detrás dos conceitos de empowerment e advocacia e como aplicá-los na intervenção social e educativa no âmbito da promoção da cidadania ativa, da justiça social e dos direitos humanos como forma diferenciadora do exercício profissional dos trabalhadores sociais.


Empowerment O conceito de empowerment surge nos anos 80 e 90 por Furlong (1987, cit in Payne, 2002: 366) enquanto abordagem no desenvolvimento social tendo por base a “construção de perspetivas individualizadas, colocando o trabalho com indivíduos e famílias num contexto de preocupação com objetivos sociais”, objetivando a sua essência na promoção da justiça social (Rees, 1991, cit in Payne, 2002: 368). A noção do empowerment está intimamente relacionada com a “motivação de indivíduos ou de equipas para, através da atribuição de independência à gestão do controlo conseguir, dentro dos objetivos organizacionais, ir mais longe” (Payne, 2002: 365), permitindo, numa esfera pessoal, conhecer-se melhor a si mesmo, aumentando a sua autoestima, permitindo uma postura mais crítica relativamente ao meio envolvente. Assim, munir os indivíduos de ferramentas sociais e pessoais podendo estas, por si mesmas, satisfazer as suas necessidades é, em grande medida, o pressuposto das estratégias de empowerment.


Advocacia O conceito de advocacia surge durante os anos 80 e tem na sua génese a aplicação de orientações e direitos civis (no âmbito legislativo) a grupos minoritários (tendencialmente marginalizados e isolados), disponibilizando os recursos dos sistemas de proteção social importantes à satisfação das necessidades e interesses das pessoas. Esta abordagem, centrada nas disposições pessoais (positivas e negativas), permite compreender as necessidades, sem no entendo, renunciar ao debate da situação para que sejam apresentadas as dificuldades e desejos pessoais. Para Payne (2002: 371), a advocacia (social) “procura oferecer às pessoas que estão em instituições um ambiente que lhes dê papéis sociais valorizados e um estilo de vida o mais próximo possível daqueles valorizados por pessoas fora das instituições”.


Operacionalização do empowerment e advocacia Ao centrarmo-nos na essência dos conceitos analisados em epígrafe, percebemos a importância destas práticas como potenciadores da autonomia grupal e por conseguinte individual; de capacidade para tirar o melhor partido dos problemas visando a solução por si mesmo; do encontro de caminhos alternativos à convenção social normalizadora; e de responsabilização dos clientes pelas suas escolhas.

O trabalhador social, agente de aplicação das práticas de empowerment e advocacia (social), visa, através do desenvolvimento da confiança, autoestima, segurança, expectativas, conhecimento e aptidões dos clientes, tornar praticável que estes se considerem capazes de tomar conta de assuntos que os afetam, bem como participar na tomada de decisões e na projeção e planeamento de ações (Croft e Beresford, cit in Payne, 2002: 373). Não obstante, o processo de análise da realidade subjetiva (o mundo do cliente) explorada pela realidade objetiva (visão do trabalhador social) só é possível quando, entre trabalhador social e cliente, são mantidos laços assentes no diálogo, na confiança, potenciando a empatia e partilha.

Outro princípio fundamental que permite mais fielmente a aplicabilidade das estratégias de empowerment e advocacia (social) é o da praxis reflexiva. Como refere Payne, (2002: 374), “os clientes envolvem-se numa praxis, agindo e experimentando a realidade que resulta das suas ações que então afeta ações posteriores”. Nesta medida, o cliente toma consciência da realidade da qual pode e deve ser ator principal através da capacidade de autoexpressão e autorreflexão, tornando-se “participante-produtor” da sua vida.

Rose (cit in Payne, 2002: 375) nomeia três princípios para a prática de empowerment e advocacia (social): a contextualização (o trabalhador social baseia o apoio prestado ao cliente tendo por base a história de vida/realidade subjetiva); a capacitação (o trabalhador social pode oferecer uma paleta variada de possibilidades que visam ir ao encontro da satisfação das necessidades tendo por base as potencialidades/talentos);e, a coletividade (o trabalhador social procura re-ligar o cliente à comunidade onde está inserido de modo a que este se identifique ao meio cultural e social a que pertence).

Quando nos reportamos aos objetivos traçados pelo trabalhador social quando este emprega estratégias de empowerment, falamos essencialmente de mecanismos específicos visando “reduzir, eliminar, combater e reverter valorizações negativas que os grupos poderosos da sociedade fazem relativamente a certos indivíduos e grupos sociais” (Payne, 2002: 377). À luz desta questão podemos ainda acrescentar que os objetivos do empowerment culminam nos clientes como agentes ativos nas soluções dos seus problemas, nos trabalhadores sociais como detentores de conhecimentos e aptidões que os clientes podem utilizar. Por outras palavras, o trabalhador social, aos olhos dos clientes, é visto como “um par e parceiro” (idem, 2002: 379) na localização e remoção de bloqueios, bem como encontro e reforço de apoios à resolução eficaz de problemas (idem, ibidem).

Partindo do pressuposto que é necessário um agente social que garanta a fiel persecução das estratégias de empowerment, cabe-nos, em traços gerais, esboçar um perfil profissional do trabalhador social quando focado na prática motivacional. São eles: facilitador de recursos para que o cliente melhore a sua autoestima e as capacidades essenciais à resolução dos problemas; intérprete da subjetividade do cliente ajudando este a conhecer-se melhor; e, (re)organizador de aptidões pessoais e competências sociais que permitam aos clientes completar tarefas específicas. Complementarmente, o técnico de trabalho social deve mostrar familiaridade com os padrões culturais do cliente, sob pena deste último se sentir à margem, culminando numa relação distante. Apesar de focados essencialmente no conceito de empowerment, por considerar ser mais relevante na temática abordada, importa destacar que, à luz do conceito de advocacia (social), o agente social auxilia o Outro no desbloqueamento e acesso a serviços, “procurando ultrapassar obstáculos e barreiras que, com alguma frequência, se expressam em questões de linguagem e no acesso à informação” (Branco e Farçadas, 2013: 11).

A tónica dominante deve ser baseada numa ação conjunta entre o cliente e o trabalhador social, onde ambos se tornam ganhadores, produzindo condições à melhoria das relações na comunidade onde estão inseridos.

Subjacente ao perfil competencial desenhado em cima, e tendo por base o quadro apresentado, salientamos cinco variáveis basilares na prática do empowerment que julgamos ser imprescindíveis no trabalho de relação entre o cliente (e o meio cultural envolvente) e o trabalhador social. Um deles dá conta da importância dos talentos, aptidões e capacidades reconhecidos aos clientes, ao invés de serem legitimados os aspetos negativos nestes. Outro aspeto importante visa dotar os clientes de direitos, no que toca a serem ouvidos/compreendidos, de controlar as suas próprias vidas e de escolher colaborar ou não na ação de mudança. No que se refere ao terceiro indicador, importa clarificar que os problemas dos clientes refletem sempre questões de sujeição e/ou inadequações pessoais ao meio social envolvente. Podemos dar conta de outro ponto baseado na importância, conforme já analisado, do trabalho coligacional cliente-trabalhador social. Por último, como forma de mais facilmente serem atingidos os objetivos capacitadores, urge ser desenvolvida uma prática facilitadora e desafiadora e nunca “dominante”.

Em virtude dos princípios e dos objetos na prática de empowerment, do perfil profissional do trabalhador social quando focado na prática motivacional, e das variáveis pelas quais este tem de se reger, o trabalho em grupo toma uma maior preponderância na forma como mais eficaz e facilmente é atingido o propósito do empowerment e da advocacia (social). O contributo de Mullender e Ward (1991, cit in Payne, 2002: 382-386), expressa o fenómeno grupal como um forte criador de laços e alianças, bem como a comunicação e envolvimento entre pessoas, fortemente passível de emergirem conquistas positivas para os membros que nele estão integrados. Os trabalhadores sociais são bastas vezes chamados à coordenação de trabalhos grupais, uma vez que reúnem condições para exigirem e criarem regras de conduta no seio do grupo, sempre baseadas em acordos de conveniência entre ambas as partes. Nesta fase de ação, os trabalhadores sociais tornam-se propulsores exímios na conceção de novos ciclos na vida do grupo e, por conseguinte, em cada cliente a ele pertencente, sugerindo outras perspetivas e diferentes pensamentos sobre as questões – novos porquês (*) –, confluindo no planeamento de ações capazes de tornar cada cliente no ator principal da sua própria vida. Isto é:

O agente social capacita o cliente através do jogo do visível e invisível. Porém, só poderá dar por concluída a jogada quando, no desenho do projecto de vida do cliente, o agente social já não tiver lugar!

Podemos afirmar quão importante se torna o trabalhador social como membro invisível. Ou seja, o trabalhador social existe para dignificar a vida social e humana das pessoas com quem trabalha, preparando-o para que este consiga, por si mesmo, tomas as suas escolhas. Desta forma, o trabalhador social dará por concluída a sua missão quando o cliente atingir um grau de capacitação satisfatório capaz de o fazer sentir verdadeiramente responsável pela tomada de decisão face à sua própria vida.

Chegados a este ponto e tendo presente os vários elementos reflexivos que fomos construindo ao longo deste item, procuraremos, no ponto seguinte, avocar alguns elementos que delineiam uma possível aplicabilidade do empowerment e advocacia (social) em contextos de Serviço Social e Educação Social em contextos de prestação de serviços à população sénior.


(in)CONCLUSÃO É curioso que muitos são os profissionais da área das ciências sociais e humanas e das ciências educativas considerarem as temáticas tendencialmente mais teóricas, como por exemplo as noções de empowerment e advocacia, algo inatingível da realidade. Este facto até leva, no limite, a descartam qualquer possibilidade de as tornarem linhas orientadoras da sua ação. Certo é que o empowerment e a advocacia como nos dá a conhecer Malcolm Payne (2002) são duas componentes essenciais ao trabalho desenvolvido por qualquer trabalhador social.

Relembramos que o empowerment define-se pela carga motivacional empregada nos indivíduos (clientes do trabalhador social) e a advocacia um mecanismo que permite desbloquear recursos a grupos minoritários para que os elementos destes consigam por si mesmos satisfazer as suas necessidades.

Em resumo, podemos dizer que os profissionais das áreas das ciências sociais e humana e ciências educativas, não obstante às demais funções, devem dotar os utentes/beneficiários com quem trabalham de ferramentas facilitadoras para que estes encontrem o melhor caminho à resolução dos seus problemas e conflitos - muitas vezes interiores. O reforço positivo é capital enquanto acionador de força interior e auto-capacitação, e na grande maioria das vezes cabe ao trabalhador social despertar os talentos e as capacidades dos utentes/beneficiários.

Todas as perspetivas são relativas, mas o relativismo com quem alguns técnicos traçam certezas acerca do potencial dos clientes com quem trabalham só mostra descrença no desconhecido. Todos os clientes/utentes/beneficiários têm capacidades e valores, e uniformizar práticas com base em conceções preestabelecidas é incorreto. Contra o relativismo, há que apostar em espaços de partilha onde os técnicos possam aprender e reaprender práticas capazes de devolver a dignidade às Pessoas com quem trabalham. Contra a uniformização, há que desenvolver critérios progressistas e não conservadoras e isso parte de cada um, de cada profissional.

Este projecto pode parecer demasiado utópico. Mas, como disse Jean-Paul Sartre, antes de ser concretizada, uma ideia tem uma estranha semelhança com a utopia. Seja como for, o importante é não reduzir os clientes/utentes/beneficiários ao que numa primeira análise se vê nem tampouco nos abeirarmos aos largos anos de experiência que nos dão segurança e certezas, pois, de outro modo, podemos ficar “obrigados” a fazer mais do que aquilo que já foi feito e, em abono da verdade não é isso que queremos. Pois não?


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRANCO, Francisco; FARÇADAS, Maria (2013). O Serviço Social nos cuidados de saúde primários: contextos, perspectivas e desafios, In CARVALHO, Irene (Coord.), Serviço Social na saúde (pp. 1-23). Lisboa, Pactor Editora PAYNE, Malcolm (2002). Teoria do trabalho social moderno. Coimbra, Editora Quarteto


(*)Mullender e Ward (1991, cit in Payne, 2002: 384) dizem-nos que o trabalhador social deve promover a reflexão e a dúvida no seio do grupo de acordo com as seguintes fases em formato de interrogações: Descrição: O que é que se vê a acontecer?

Análise: porque é que está a acontecer?

Problemas relacionados: a que problemas é que conduz?

Causas de raiz: o que é que leva a este problema?

Planeamento de ação: O que é que podemos fazer?


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