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Os idosos não são bocados


O número de idosos agiganta-se e prova disso são os censos de 2011. Se em 1986 existiam 1.203.928 em 2011 passaram a existir 2.175.195[1]. Com eles novos paradigmas sociais e económicos, novos desafios técnicos e científicos, novos entroncamentos num caminho que os ancestrais anos 70 e 80 julgavam certos, e novos entendimentos subjetivos e simbólicos sobre as pessoas idosas.

Proclamado pelas Nações Unidas como forma de chamar a atenção mundial para a situação financeira, social e afetiva vivida pelas pessoas com mais de 65 anos (classificação cronológica definida pela OMS quando um indivíduo em países desenvolvidos é idoso), instaurou-se ao vigésimo oitavo dia do mês de outubro o Dia Mundial da 3ª Idade.

Apesar da relevância que este tema tem trazido à esfera pública e privada: desde o aumento exponencial de instituições residencial para idosos, passando pela produção científica no âmbito da gerontologia e geriatria, e no limite a consciencialização geral da população acerca das necessidades dos idosos, muito ainda falta fazer. Muito.

Acontece que o advérbio “muito” dá imenso trabalho e a sua concretização vai ficando pelo “mais ou menos” – tipicamente português. O fazer “muito” abriga-nos a estar ligados à realidade e dessa nós queremos fugir porque a realidade da 3ª, e se quisermos 4ª idade assusta-nos. As expectativas tendem a diminuir, os anos de vida serão menos, as faculdades biológicas e cognitivas ficam cada vez mais comprometidas, aproximando-nos da morte.

Ora, sem demagogias, muito existe por fazer. Desde logo, investir verdadeiramente na formação e informação de profissionais que trabalham diretamente com a população idosa, por forma a estes prestarem um serviço diferenciador fazendo jus à cabal relevância da senioridade. Apostar em campanhas de sensibilização de âmbito transversal (medicina, educação, intervenção social) suficientemente apelativas de modo a irromper na sociedade civil atitudes mais justas, mais solidárias e mais inclusivas. Apelar junto do poder político-administrativo (macro e micro) para a consciência do fazer mais e melhor segundo os princípios éticos no trabalho com idosos, sob pena de serem cometidos erros, nalguns casos, irreversíveis. Por último e não menos importante, urge elogiar as boas práticas levadas a cabo junto da população idosa, pois são estas que humanizam os serviços prestados tantas vezes negligenciados e considerados menores. No limite, caso estas propostas possam soar a utopia, nada como descruzar os braços, arregaçar as mangas e fazer diferente por muito pouco que isso possa parecer para que um dia se transforme em “muito”.

Bocados de quê?

Os idosos veem-se, os idosos veem, os idosos leem. Os idosos não são bocados que deambulam num qualquer espaço à descoberta d’algo que a memória lhes roubou. Os idosos não são bocados de gente acomodados dias inteiros num sofá a assistir a uma sucessão de imagens alucinantes e joviais. Os idosos não são bocados de alguém a quem os bastos anos lhes roubou os movimentos rápidos e a astucia. Os idosos não são bocados de esperança transformados em frações numéricas. Os idosos são experiência, sabedoria, sofrimento, provas de superação, livros, rejeição, amor, saudade, penas. Os idosos são tudo aquilo que eles quiserem e tudo aquilo em que nós temos de acreditar. Os idosos são narrativas que deixaram de ser contadas, porque alguns de nós não as sabemos/queremos ouvir.

Todos nós precisamos de estar comprometidos com a história, pois é dela que somos feitos. Se a apagarmos, destruiremos uma vasta biblioteca composta de experiência, sabedoria, sofrimento, provas de superação, rejeição, amor, saudade e penas. Devemos estar preparados para a senioridade, porque afinal é para lá que caminhamos.

Os idosos não são bocados. Os idosos são experiência, sabedoria, sofrimento, provas de superação, livros, rejeição, amor, saudade, penas. Tal como eu, tu, eles, todos.

Nota final do início de reflexão

Existe felizmente uma franja populacional considerada cronologicamente idosa consciente dos seus direitos, dos serviços disponíveis e aptos a operacionalizar os seus talentos e capacidades. Pessoas essas a quem a saúde física e psíquica não lhes roubou a autonomia e liberdade de escolha. Porém, outras pessoas existem consideradas cronologicamente idosas com menor possibilidade de revindicar os seus direitos (provocado por moderados ou severos comprometimentos físicos e/ou cognitivos). É por todos, mas essencialmente pelos que são privados da sua liberdade e autonomia que é necessário apelar à reflexão. Não acredito que nenhum de nós terá uma razão plausível para viver indiferente à questão do envelhecimento humano. Mais tarde ou mais cedo lá chegaremos.

Se tudo correr conforme planeado, um dia seremos considerados idosos e não vamos gostar de ser vistos como um encargo, como um fardo, como um “mal necessário”, como uma mensalidade ao final do mês e muito menos como um bocado de gente insignificante.

Valorizemos hoje para que dentro de pouco tempo, quando formos idosos, sejamos nós os valorizados.

[1] Fonte: http://www.pordata.pt/ebooks/Lusa2016/mobile/index.html#p=7


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