A EDUCAÇÃO E O RIGOR SUÍÇOS
O maravilhamento de um país desconhecido é poder ser descoberto. Foi isso que fiz, descobrir uma terra outrora distante, a Suíça. Admito que esta terra me deixou um gostinho agridoce no meu amago de descobridor.
Considero que o título deste texto contém dois dos pilares fundamentais para que uma sociedade se mantenha organizada, segura e civilizada. Por entre tanta coisa boa e menos boa que qualquer país tem, decidi escolher aqueles que considero serem o melhor do “bom” e do “menos bom”. Qualquer escolha deste género será sempre imperfeita, discutível e precária. Qualquer seleção deste tipo diz mais acerca dos interesses e gostos de quem seleciona do que sobre a matéria selecionada. Aceito, por isso mesmo, opiniões resultantes da subjetividade de cada leitor, que terão por certo outras opiniões, contrárias até.
Os itens são claros e deixam a nu a minha opinião acerca de temas centrais do país onde as paisagens geladas, brancas e verdes se perdem de vista e onde o melhor da educação, disciplina e rigor pulsa a cada esquina.
DOCE
Junto da amiga que me acolheu durante uma semana, emigrada há 12 anos na Suíça no cantão alemão, pude recolher imensas informações. De entre elas esta: desde cedo, aproximadamente no 5º ano de escolaridade, os alunos começam a integrar-se no mercado de trabalho através de estágios de curta ou longa duração de modo a perceber o que tencionam fazer/ser enquanto futuros profissionais. Esta estratégia permite aos alunos perceberem quem querem ser enquanto trabalhadores, diminuindo as taxas de insucesso e insatisfação e por conseguinte ampliam os níveis de realização profissional e pessoal, aumentando a produtividade e os ganhos (individuais e coletivos).
A Suíça é uma fonte de riqueza, esse facto é inquestionável se pensarmos neste país enquanto um paraíso fiscal e noutros tantos mistérios. Também indiscutíveis são o rigor e a educação que eu senti neste país. Por exemplo, na comunidade da Suíça é perfeitamente dispensável os títulos de Dr./Dr.ª ou Prof./Prof.ª (na grande maioria dos casos apenas se emprega antes do nome próprio ou do apelido a nomenclatura Sr./Sr.ª). Outro aspeto interessante tem que ver com o facto de desde tenra idade se investir imenso na educação do ser, do fazer e do estar. Os exemplos são curiosíssimos e bastante elucidativos de uma sociedade centrada nos valores e competências enquanto potência e força de trabalho e não em títulos tóxicos e vazios que deixam à sombra da bananeira tantos países do Sul.
Curiosíssimo é também o facto de poucas serem as pessoas a frequentar o ensino superior. Calma! Enganem-se os mais céticos que acham que o ingresso no ensino superior concede melhores empregos, mais inteligência e maior reflexividade perante a vida quotidiana. Não quer com isto dizer que a passagem no ensino superior seja dispensável, mas também não é regra sine qua non para se conquistar um emprego capaz de satisfazer alguém monetária e pessoalmente.
A pergunta que se impõe: “- E as pessoas não vão à universidade?”
Resposta improvável: “- Vão, mas cá [na Suíça] valorizamos muito o ensino profissional e os tais estágios de que te falei!”
Conclusão possível: Não é preciso escondermo-nos por detrás de títulos para desempenharmos com qualidade a função para a qual somos remunerados. Se formos exigentes, rigorosos e acreditar que não poderíamos fazer de outra maneira que não aquela, a melhor, seremos aplaudidos.
Outro dado interessante prende-se com a liberdade concedida às crianças. Muito embora estejamos em 2017 consegui recuar aos anos 80 quando era criança e ia a pé para a escola. Talvez seja devido à rigorosidade e disciplina dos adultos que é permitido às crianças serem mais crianças. A isto eu chamo “comportamento gera comportamento”. Se os pais forem conscienciosos, imprimem nas crianças maior reflexão acerca do mundo que as rodeia; se os pais forem responsáveis, educarão crianças na responsabilidade, e por aí fora…
Na Suíça, salvo raras exceções, as crianças não são seres amorfos sem opinião, ou mal-educados ou mal-amados nem tampouco ditadores. Numa semana de estada na Suíça não assisti a uma birra no supermercado, nem a gritos histéricos dos pais na tentativa falhada em controlar os filhos. Pelo contrário! Serenidade e respeito. Às crianças é-lhes dada a liberdade de escolher o certo e errado, sempre conscientes das consequências advindas da opção tomada. Portugal está a anos luz de conseguir esta proeza[1]. Na Suíça os pais educam (para a vida), a escola ensina (a e i o u, 1 2 3 4 5)[2].
AGREDOCE
Ficaram presas na retina dos meus olhos imagens deslumbrantes que só a beleza natural deste país consegue criar. Árvores de braços abertos para receber a neve ainda fofa e nalguns casos translucida. Infindáveis cumes, impenetráveis vales quase inacessíveis se não fosse o prodígio da engenharia. Por sua vez, as cidades e vilas serpenteantes e labirínticas junto a lagos e montanhas pecam pela homogeneidade. De uma forma geral a urbe segue um padrão muito idêntico (pouco plural) incapaz de destronar a arquitetura algarvia ou até alentejana.
A gastronomia é pouco diversificada. Sobram os chocolates!
Para quem como eu se deleita com a quadra natalícia, esta é a época por excelência para visitar um país envolto em luzes, cores e muitas feiras de Natal. Mas, à semelhança dos países evoluídos e globalizados, padece de um mal-necessário: o consumismo.
AGRE
Despedir-me de uma amiga de 30 anos. Deixá-la na Suíça. A ela e à família feliz que construiu.
Conclusão
A educação na Suíça prima por ser rigorosa e disciplinada. A educação na Suíça nas mais variadas dimensões (escolar, familiar, coletiva) é absolutamente irrepreensível. A educação na Suíça é claramente um exemplo a seguir.
Caso não aprendamos nada com o nosso semelhante corremos o risco de nos tornarmos numa casa vazia, onde pode existir de tudo, bons eletrodomésticos, bom mobiliário, boas acessibilidades, mas falta o essencial para que a casa se torne uma casa. A casa deixa de ser casa se nela não existirem Pessoas. Pessoas capazes de educar Pessoas.
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OH AS CASAS AS CASAS AS CASAS
Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
Elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
Respirei – ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas
RUY BELO
SILVA, José Mário (Org.) (2017). OS CEM MELHORES POEMAS PORTUGUESES DOS ÚLTIMOS CEM ANOS. Companhia das Letras. Lisboa
[1] A título de exemplo, esta semana fui às compras porque o frigorifico estava vazio senão quando me deparo com uma miúda entre os 3-4 anos a ameaçar a mãe com uma bofetada.
[2] Coloquei entre parênteses breves exemplos para que não existam dúvidas sobre o que é “educar” e “ensinar”.