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Velhos descartáveis


É desconcertante ouvir alguém tão notável como Eládio Clímaco, reconhecido apresentador da televisão portuguesa, a verbalizar algo tão avassalador como “Já não presto para nada, as pessoas neste país são descartáveis aos 70”. A realidade que o Senhor Eládio corajosamente profere enchem-me de vergonha pela sociedade onde vivo da qual todos somos membros ativos (ou deveríamos sê-lo!). No programa televisivo dirigido pelo jornalista Daniel Oliveira, Alta Definição da SIC (transmitido a 21 de abril de 2018), Eládio Clímaco, num relato tocante e emotivo dá a conhecer o desalento e tristeza por ter sido esquecido pela indústria televisiva.


O Senhor Eládio Clímaco simpaticamente define os 70 anos como a idade com a qual as pessoas são deitadas fora, desvalorizadas e desconsideradas. Simpaticamente, pois, porque na verdade considero que as pessoas são jogadas para canto muito antes. Ora vejamos. Uma pessoa que aos 66 anos de idade se sinta perfeitamente apta e capaz fisicamente, cognitivamente e psicologicamente é obrigada a jubilar-se apenas e só porque a unilateralidade das leis portuguesas dita que aos 66 anos e 5 meses já não se serve para nada.


Se por um lado o Estado dita a desvinculação do mundo do trabalho, logo a sua inutilidade, também os meios de comunicação corroboram com este enredo quando ilustram as reportagens com velhinhos concurvados, ou sentados num banco de jardim ou sentados numa mesa a jogar às cartas ou às damas. Enfim, sobre isto temos de concordar que quer o Estado, quer os meios de comunicação estão em sintonia: negativizar a imagem das pessoas com idade cronológica de 66 anos. Mas será que as pessoas com esta idade, ou mais, são um grupo homogéneo com os mesmos gostos, interesses e (in)capacidades? Provavelmente não!


Na esmagadora maioria dos casos, salvo raras exceções, as pessoas com 66 anos e 5 meses, são perfeitamente competentes e aptas a desempenhar as funções atribuídas aos jovens. Retifico, poderão fazê-las de forma mais lenta, resultado do processo do envelhecimento inerente a todos os seres humanos, porém, conseguem fazê-lo com o mesmo empenho. Então o que está a acontecer na sociedade portuguesa?


Mais conhecido por idadismo, este refere-se a atitudes e práticas negativas generalizadas assentes em estereótipos, preconceitos e atitudes discriminatórias em relação aos indivíduos baseadas somente na idade. Em Portugal estas manifestações atingem especialmente as pessoas mais velhas.


Vítimas duma cultura cada vez mais tecnológica, material, competitiva, presa à representação da idade cronológica e à imagem, à cultura juvenilizada, da dependência económica e das crenças estereotipadas da velhice, as pessoas com mais de 66 anos são arredadas da sociedade e catalogadas como inúteis e uma fonte de despesa. Esquecem-se, porém, as pessoas mais jovens que, se tudo lhes correr bem e se se mantiverem vivas até à idade da reforma, serão idosos e, desta feita, catalogados como imbecis e uma fonte, não de riqueza, mas sim de problemas.


Por estes motivos assistimos à dicotomia: «seniores problema-drama» versus «seniores oportunidade». Qual a versão mais correta? Claramente a visão que enquadra os seniores enquanto oportunidade, mas para isso a sociedade tem de permitir recuperar a força social das pessoas idosas. Este exercício só é possível de ser feito quando nos colocarmos no lugar do outro e refletir acerca da sociedade onde queremos viver quando formos idosos.


A história é cíclica e sempre, sempre reciproca. Por isso é urgente educar as gerações mais novas, aquelas apelidadas de Gerações Y Millennials (1980-2000), de Geração Z (1990-2010) e de Geração Alpha (a partir de 2010), para a importância de significar a historicidade e a biografia das gerações envelhecidas (as pessoas que têm 65 ou mais anos). E, pala além disso, recrutar o capital humano sénior e o background destas pessoas para a vida societária moderna.


Promover o diálogo entre gerações e dar espaço às gerações mais velhas é fundamental para deixarmos de ouvir a voz do coração de tantos Eládios Clímacos deste país a implorar um lugar numa sociedade que lhes pertence, mas que se esquece do valor inesgotável destas PESSOAS tão ricas em experiências e sabedoria.


Serão estas PESSOAS boas demais para esta sociedade? Provavelmente sim, mas a sociedade é composta por todos nós! Dá que pensar...


Nota importante: Poderão os leigos dizer, "Oh pah, vem este (Eládio Clímaco) para a televisão choramingar e pedir que lhe abram novamente uma porta no mundo televisão. Vedeta mal resolvida e que não tem noção de si!". Desengane-se a quem acha isto. Por conhecimento de causa, e já trabalho com a população sénior há quase 10 anos, o sentimento exposto por Eládio Clímaco é transversal a milhares de portugueses que já passaram os 60, 70, 80, 90, 100 anos de idade.


SAIBA + ACERCA DESTA REPORTAGEM EM

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