QUANTO MAIS BATEM, MENOS EU GOSTO
Dia 15 de junho foi escolhido para assinalar o Dia Internacional de Sensibilização sobre a Prevenção da Violência Contra as Pessoas Idosas. Não posso ficar indiferente a esta causa e, claro está, associo-me a ela de modo a perfilar as fileiras que lutam contra a violência aplicada às pessoas adultas mais idosas.
A ONU (Organização das Nações Unidas) e a OMS (Organização Mundial de Saúde) elegeram esta data para consciencializar as sociedades a elaborarem campanhas eficazes de combate à violência contra as pessoas adultas mais idosas. Não cruzei os braços e durante 7 dias publiquei na minha página profissional de Facebook® «TÉCNICO SOCIAL RICARDO CRISPIM» e Instagram® algumas imagens (aparentemente estereotipadas e meramente ilustrativas) acompanhadas com depoimentos verídicos de seniores que pela minha trajetória profissional já passaram ou nela permanecem.
Reconheço que a violência contra as pessoas adultas mais idosas constitui um grave problema social do qual todos somos responsáveis. Por isso, considero que o seu eficaz combate, através de campanhas musculadas, pode contribuir para um futuro mais solidário e inclusivo, onde todos sejam respeitados ao longo do ciclo de vida, nomeadamente no que ao envelhecimento digno, saudável e feliz diz respeito.
Bastos são os organismos que têm alertado a sociedade portuguesa para a realidade ainda obscura, camuflada e pouco analisada da violência praticada contra as pessoas idosas. Se associarmos o aumento da esperança média de vida da população portuguesa com 65 ou mais anos, o enfraquecimento dos laços sociais entre gerações e os débeis sistemas de proteção social, teremos um país cada vez mais envelhecido (o 5º mais envelhecido da Europa), mais fragilizado quanto ao acesso a direitos humanos fundamentais como por exemplo reformas por velhice justas, e socialmente mais desequilibrado. Desta forma estão reunidos alguns dos indicadores que permitirão o agravamento das situações de violência na senioridade.
Em jeito de campanha publicitária decidi alertar que a violência contra as pessoas adultas mais idosas não é somente caracterizada por agressões físicas, por certo as mais visíveis e em maior número, mas também emocionais. Dados da APAV demonstram que em 2017 as faixas etárias mais referenciadas situavam-se entre os 35 e os 44 anos de idade (15,7%), seguindo-se a faixa entre os 45 e os 54 anos (12,6%), em terceiro lugar a faixa etária entre os 25 e os 34 anos (10,6%), e finalmente as pessoas com 65 ou mais anos (10,3%). Neste último, os dados foram superiores a 900 denuncias/casos acompanhados. No que diz respeito ao perfil da vítima, esta é geralmente do sexo feminino (cerca de 79,51%). Já o autor do crime é em cerca de 68% das situações do sexo masculino. A relação da vítima com o autor do crime é, em muitas das situações sinalizadas, uma relação de pai/mãe (39,6%) e de seguida de conjugalidade (26,5%). Concluímos com este último ponto que existe um elevado número, e com tendência de crescimento, de idosos que dizem ser violentados, insultados e humilhados pelos familiares diretos, neste caso os filhos.
Em Portugal um dos fatores que podem contribuir para explicar o aumento dos comportamentos de maus tratos e abuso é o idadismo. As manifestações idadistas centram-se em atitudes e práticas negativas generalizadas em relação aos indivíduos baseadas somente numa característica – a sua idade. (…) Em Portugal (…) parece atingir sobretudo as pessoas mais velhas” (Marques, 2011: 18). O combate ao idadismo não deverá passar apenas pela agenda do Governo, mas sim representar um dos principais assuntos de trabalho e debate das áreas sociais, educativas e da saúde. Nenhuma área, nem ninguém poderá ser conivente e omisso diante deste problema social que afeta tantas pessoas idosas. A violência contra o idoso é uma realidade deplorável que nos deveria envergonhar, pelo que é premente ser discutida e combatida.
A luta contra o idadismo precisa de todos quantos acreditam nas potencialidades, nas capacidades, nas forças e no poder das pessoas adultas mais idosas. Por forma a deitar por terra estereótipos negativos e muitas vezes erróneos relacionados com as pessoas idosas. Esta luta exige alterações profundas na maneira como encaramos e enquadramos as pessoas idosas na comunidade, nas instituições e nas suas famílias. Centramo-nos na violência física contra os idosos, mas esquecemo-nos de outro tipo de violência, mais impercetível, como por exemplo:
Relativizar o que é dito pelos idosos ou não ouvir os idosos, porque achamos que eles estão sempre a dizer a mesma coisa, e/ou porque temos coisas mais importantes para fazer;
Impedir os idosos de realizarem determinadas atividades, por considerar que não as conseguem levar a cabo devidamente;
Afirmar que os idosos voltaram a ser crianças (nalguns casos porque apenas requerem atenção e afeto);
Desvalorizar a história de vida dos idosos;
Desconsiderar as opiniões, desejos e vontades dos idosos e, na maioria dos casos, obrigar os mesmos a participarem em atividades que não lhes trará prazer;
Considerar os idosos enquanto seres não pensantes;
Excluir os idosos dos processos de decisão ou escolha que lhes dizem, muitas vezes, respeito.
O idadismo é a resposta preconceituosa e perigosa à forma como a sociedade, da qual somos parte integrante, vê e considera a pessoas adulta mais idosa. Quando pensamos ou estamos perante uma pessoa idosa, consideramo-la como frágil, não pensante, e incapaz de realizar as atividades a que se propõe. Tendencialmente ignoramo-la ou ajudamo-la. Se nos cingirmos à segunda hipótese, poderemos estar a privar a pessoa idosa, a longo prazo, de desenvolver determinada ação tornando-se sedentária. Claro que em tudo é necessário bom senso e uma dose reforçada de equilíbrio, e este caso não é exceção, apesar de não se vislumbrar uma tarefa fácil. Todavia, o importante é não esquecer que estas tendências idadistas existem, que somos nós quem as coloca em prática diariamente, e que na maioria dos casos tem um efeito negativo nos idosos.
Não existem serviços de apoio específicos dirigidos às pessoas adultas mais idosas violentadas. Porém, é possível contactar alguns serviços de apoio à vítima e/ou serviços genéricos para as pessoas idosas, são eles:
Serviço de Informação às Vítimas de Violência Doméstica (Nº Verde: 800 202 148);
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (Contacto: 116 006);
SOS Pessoa Idosa (Contacto: 800 990 100);
Linha do Cidadão Idoso (Contacto: 800 20 35 31);
Instituto de Segurança Social: A Rede Social de Apoio ao Idoso (Contacto: 144);
Linha Saúde 24 Sénior (Contacto: 808 24 24 24);
Programa Apoio 65 da responsabilidade da Polícia de Segurança Pública (http://www.psp.pt/Pages/programasespeciais/apoio65.aspx).
Com as minhas parcas pesquisas e conhecimento in loco tenho verificado que ainda existe um insuficiente conhecimento do tema por parte das vítimas, familiares e prestadores de cuidados, bem como uma insuficiente informação e capacitação dos profissionais para intervirem nestas situações. Como tal, é fundamental continuar a divulgar e sensibilizar a sociedade para esta temática. Por isso a minha intenção em formato de campanha é alertar, para mobilizar, para fazer pensar/refletir acerca desta temática que a todos deveria preocupar.
Escrevi, faz algum tempo, que a idadismo é resultado da falta de educação. Ouvi pelo Prof. Doutor Eduardo Vera Cruz[1] e escrevi, faz menos tempo, que sem educação não há liberdade nem cidadania. Ora, se a educação permite ver o mundo que nos rodeia com renovadas lentes, também será verdade que a educação é talvez a única arma que poderá combater atitudes e práticas preconceituosas e discriminatórias em relação às pessoas idosas. Portanto, apostar em ações socioeducativas de carácter intergeracional e comunitário assente na RE-educação das pessoas, grupos e comunidades é talvez um objetivo utópico, mas deixará de o ser se juntos fizermos algo que contribua efetivamente pelo respeito da senioridade. Pois, cuidar (na verdadeira aceção da palavra) hoje dos nossos idosos permitirá com que o nosso futuro seja mais seguro, digno e feliz.
ESTATISTICAS DA APAV PARA CONSULTA
https://www.apav.pt/apav_v3/images/pdf/Estatisticas_APAV_Pessoas_Idosas_2013_2016.PDF
https://www.apav.pt/apav_v3/images/pdf/Estatisticas-APAV-Relatorio-Anual-2017.pdf
SAIBA + ACERCA DA CAMPANHA QUE PROMOVI EM
https://www.facebook.com/pg/ricardocrispimeducadoreassistentesocial/photos/?tab=album&album_id=2108880025995270
BIBLIOGRAFIA
MARQUES, Sibila (2011). Discriminação na terceira idade. Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos
[1] Professor na Faculdade de Direito – Universidade de Lisboa.