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DESPENALIZAÇÃO DA MORTE MEDICAMENTE ASSISTIDA. HÁ UM DEBATE QUE NÃO ESTÁ A SER FEITO

Despenalização da morte medicamente assistida. Mas que assunto é este agora? Bom, foi um assunto que acalentou muitas vozes e mentes, mas que rapidamente se esfumou por entre a enxurrada de notícias que nos atropelam todos os dias. Tema que recentemente veio à cena com a despedida de María José Carrasco, de 61, vítima de esclerose múltipla há cerca de 30 anos. Totalmente dependente do seu marido para a satisfação das atividades de vida diária e num visível sofrimento decorrente da paralisação motora, quase cega e surda, deixando inclusive de se conseguir alimentar pela própria mão. Esta mulher pediu ajuda ao seu companheiro de vida para lhe ministrar uma bebida de pentobarbital para provocar a sua morte — que tinha pedido ao marido que o fizesse quando ela já não suportasse o sofrimento causado pela doença. Recordo que em Espanha a morte medicamente assistida é crime.

Morte medicamente assistida foi um tema que me despertou interesse desde a sua apoteose nos meios de comunicação social, porque considero ser um assunto da mais extrema importância, como também acho ser uma alternativa ao sofrimento atroz e desmedido até à morte que os mais conservadores querem preservar. Atualmente apenas na Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Estados Unidos da América (apenas nos estados de Oregon, Vermont, Washington e Califórnia) e Suécia é permitido morte medicamente assistida.


Votada desfavoravelmente na Assembleia da República em 29 de maio de 2018 os quatro projetos de lei propostos pelos partidos PAN, BE, PS e PEV; CDS-PP, PCP e PSD protagonizaram o maior grito a favor da vida com sofrimento. Ao que se saiba, poucos têm sido os avanços e recuos acerca deste assunto, por isso, trouxe à ribalta dos meus momentos de leitor uma fascinante coletânea de textos e depoimentos acerca desta temática através do livro «Morrer com dignidade. A decisão de cada um» organizado por João Semedo, publicado pela editora Contraponto. Li-o num sopro!

Da vida só quero/queremos o melhor, este facto é indiscutível, creio eu. O pior também pode vir, pois é com ele que, em parte, aprendemos, mas se o pior for uma notícia dramática alimentada por uma doença medicamente incurável que me levará comprovadamente à morte, e, se para lá chegar tiver de sofrer descontroladamente? Pois bem, nesse momento queria que o Estado português tivesse pensado em mim e me concedesse a possibilidade de escolher se queria viver com sofrimento, ou morrer condignamente.


A tónica nesta proposta de lei situa-se precisamente no poder de decisão que poderia ser colocado ao dispor dos portugueses, mas que por razões puramente egoístas e centradas numa política paliativa se não coloca. Assusta-me pensar que governantes existem focados na máxima “a vida humana é inviolável” (artigo 24º da Constituição da República Portuguesa), incapazes de se inquietarem e se permitirem a refletir acerca do sofrimento que causam junto daquelas pessoas que até aquele fatídico dia – dia em que souberam que uma doença os mataria – cumpriram os seus compromissos com o Estado, e este último apenas lhes concede excelente serviços remediativos incapazes de fazer mais por um fim que todos sabem que é a morte dolorosa. Incomoda-me saber de um Estado que se diz ser de Direito, mas que reprime a vontade consciente daqueles que dolorosa e, bastas vezes, vagarosamente vivem à espera que o dia da morte chegue.


A ignorância tolda o pensamento dos menos atentos e informados e faz crer que a despenalização da morte medicamente assistida retira dignidade às pessoas doentes em situação de sofrimento atroz e/ou concede aos clínicos liberdade para matar a seu belo prazer. Ou, por outro lado, menoriza e desprimora a excelência dos cuidados paliativos e dos cuidados continuados. Ou, mais dramaticamente, mata descontroladamente pessoas (nomeadamente idosos que “todos” querem bem longe) que entopem o Serviço Nacional de Saúde, transformando um serviço que apela à prorrogação da vida numa carnificina. É precisamente o oposto! A despenalização da morte medicamente assistida permitirá que qualquer pessoa (de nacionalidade portuguesa, maior de idade, com as capacidade cognitivas e psíquicas comprovadamente sãs e que não se sinta coagido por terceiros) com um diagnóstico de doença incurável e eminente penar físico tenha à sua disposição a possibilidade de pôr fim a uma escalada de dor que o/a envolve a si, à família, aos amigos e, numa última análise ao corpo clínico incapaz de dar resposta a uma dor tão grande quanto dilacerante para todos os envolvidos. É disto que se trata, não de outra coisa.


Morrer com dignidade é uma decisão de cada um. Finalizo convicto de que “a morte não é terrível, terrível é ser obrigada/o a viver indignamente” (Hannah Arendt, s.d. cit in Semedo, 2018, pp. 46).


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