top of page

SERVIÇO DE APOIO DOMICILIÁRIO: REFLEXIVIDADE E ESTRATÉGIA

Em Portugal as políticas de ação social fazem-se assegurar por via duma ação assente no sistema de cooperação entre o Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social, as IPSS, as Misericórdias e as Mutualidades. Estas entidades são financiadas e supervisionadas pelo Estado, cabendo a este tomar as diligências necessárias que possibilitem às famílias cuidar dos seus idosos, garantindo-lhes uma rede de apoios formais que lhes permita levar a cabo essa tarefa sem que se converta numa situação problemática devido aos encargos económicos e ao desgaste físico e emocional decorrentes da situação. De entre a oferta de serviços de assistência às pessoas adultas mais idosas, quanto a nós pouco diversificada, o Serviço de Apoio Domiciliário é uma delas.

De acordo com a legislação, o Serviço de Apoio Domiciliário (doravante designado por SAD) é uma “(…) resposta social que consiste na prestação de cuidados e serviços a famílias e/ou pessoas que se encontram no seu domicílio, em situação de dependência física e/ou psíquica, e que não possam assegurar temporária ou permanentemente, a satisfação das suas necessidades básicas de vida ou atividades instrumentais da vida diária, nem disponham de apoio familiar para o efeito” (Portaria nº 38, de 30 de janeiro de 2013, artº 2). Esta resposta social possui uma variante: o Apoio Domiciliário Integrado, a qual se consagra um “(…) conjunto de ações e cuidados pluridisciplinares, flexíveis, abrangentes, acessíveis e articulados, de apoio social e de saúde, a prestar no domicílio. Assegura, sobretudo, a prestação de cuidados (de enfermagem e médicos de natureza preventiva, curativa e outros) e a prestação de apoio social indispensável à satisfação das necessidades básicas humanas (Despacho conjunto nº 407, de 18 de junho de 1998, p.8330).


Concluímos, portanto, que este é um serviço eminentemente relacional e de proximidade em contexto de domiciliação, em casos onde a família/cuidadores informais não podem e/ou não conseguem dar resposta aos cuidados básicos da pessoa adulta mais idosa.


Criado formalmente em 1976, e desde essa data, o SAD revelou-se a resposta social com maior crescimento quanto ao número de equipamentos e por conseguinte à disponibilização de vagas: cerca de 48 700 no ano de 2000 para 104 500 em 2014 (MSSS, 2017, p. 35). Todavia, esse aumento exponencial da oferta não foi acompanhado do mesmo modo pela procura de apoio. Tal fenómeno explica a diminuição na utilização desta resposta que se fez sentir entre 2000 e 2014 (MSSS, 2017, p. 38)[1].


Apesar desta ser uma resposta social que possibilita a permanência do utente no local habitual de vida esta é hoje uma prestação de serviços exigente, nomeadamente quando nos referimos aos cuidados prestados pelos cuidadores formais e informais às pessoas adultas mais idosas. Este quadro, caracterizado por uma capacidade limitada da família contemporânea para dar respostas às necessidades dos respetivos entes queridos, pela escassez de fundos públicos e pelos custos económicos do sector privado que ultrapassam a média das pensões do nosso país, dever-nos-ia obrigar a repensar na forma como defendemos e atuamos em modelos “envelhecer em casa”.


Este serviço perfila enquanto uma das respostas mais inovadoras do tempo pós-moderno. Não só porque se trata duma alternativa às Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (usualmente designadas de Lar de Idosos) que bastas vezes despersonalizam o sujeito, como também uma resposta que alia a prestação dos cuidados básicos ao conforto emocional e afetivo existente no espaço natural de residência. Uma ideia que ninguém contesta. Creio!


Todavia, a domiciliação das respostas sociais não se pode centrar apenas na satisfação das necessidades básicas, como de resto patenteia este serviço, nem tampouco num slogan eleitoral. As entidades que regulam e dinamizam o SAD, a par doutras respostas dedicadas às pessoas adultas mais idosas, devem olhar os seniores enquanto pessoas tendo em conta a sua dimensão biopsicossocial, cultural e espiritual com a dignidade que eles merecem. Logo deve ser um serviço apto a fazer muito mais para além de satisfazer a necessidade de alimentar e de higienizar quem requer os serviços. Esta última perspetiva desvirtua todos os dias um serviço outrora inovador e de excelência, mas agora obsoleto e pouco criativo face às exigências dos séniores do século XXI, empurrando-os, bem como às respetivas famílias a tomar decisões alternativas, nalguns casos do total desagrado do/a idoso, como por exemplo ingressar numa ERPI, ou numa casa clandestina de pequenas dimensões, sem nenhum tipo de autorização e sem requisitos mínimos para assegurar a estes indivíduos os cuidados sócios-anitários de que necessitam .


A domiciliação dum serviço requer qualidade, dignidade, segurança, cuidados de saúde especializados, e, não menos importante, cuidados de saúde mental, nomeadamente apoio psicossocial. Contudo para que estas dimensões deixem de se tornar utópicas é imprescindível olhar o SAD não como uma medida paliativa e remediativa, e, nalguns casos, alternativa à ausência de vagas em regime ERPI, mas como uma resposta válida e estruturada capaz de responder às potencialidades e necessidades do ser humano visto de forma holística e não pelas partes. Certo também será acrescentar que esta mudança de paradigma ocorrerá quando:


- os profissionais se desacomodarem das metodologias cristalizadas, assentes na burocratização e tecnificação das práticas institucionais[2], e, no âmbito duma prática reflexiva, tentarem levar a cabo uma intervenção relacional de proximidade;

- as respostas sociais propriamente ditas se desabituarem de fazer o mínimo pelo máximo valor, deixando para segundo plano o bem-estar das pessoas a quem prestam serviços; e,

- as entidades estatais que tutelam as respostas sociais compreenderem e admitirem que a diretrizes proclamadas encontram-se ultrapassadas face às reais e atuais potencialidade e carências da população atual.


O SAD não pode mais resumir-se aos quatro serviços base: cuidados de higiene e conforto pessoal; higiene habitacional, estritamente necessária à natureza dos cuidados prestados; fornecimento e apoio nas refeições, respeitando as dietas com prescrição médica; e o tratamento da roupa do uso pessoal do utente, nem tampouco atuar num horário de serviço entre as 8h às 17h. Talvez por este motivo, a oferta dos serviços relacionados com o SAD diminuíram face à procura. Dados mais recentes disponibilizados na Carta Social 2017 (MSSS, 2017) mostram que em Portugal continental, no ano de 2017, a taxa de ocupação era apenas de 71,1% da totalidade de vagas disponíveis (muito abaixo do espectável).


A sustentabilidade do SAD não deveria assentar apenas na satisfação das necessidades básicas: higiene pessoal e fornecimento de refeições, mas atuar a par com estes serviços para o cumprimento dalguns dos objetivos do SAD definidos no terceiro artigo da portaria nº 38/2013 de 30 de janeiro:

“(…) - Promover estratégias de desenvolvimento da autonomia;

- Facilitar o acesso a serviços da comunidade;

- Reforçar as competências e capacidades das famílias e de outros cuidadores” (Portaria nº 38, de 30 de janeiro de 2013, artº 3; Engenheiro, 2008, p. 47).


Patente na mesma Portaria supramencionada, os serviços de: “Atividades de animação [ou educação social] e socialização, designadamente, animação, lazer, cultura, (…) deslocação a entidades da comunidade; Apoio psicossocial; e Realização de atividades ocupacionais” (Portaria nº 38, de 30 de janeiro de 2013, artº 4) encontram-se em igualdade de circunstâncias com os serviços referidos no antepenúltimo parágrafo deste texto. Contudo, são bastas vezes relegados para segundo plano,

- por escassez de recursos humanos;

- por aceleração dos processos de intervenção;

- por “redução do espectro de abrangência das políticas sociais” (Ribeirinho, 2013: 199);

- por desvalorização da prática sociocultural e socioeducativa no serviço de domiciliação;

- por representarem um gasto acrescido às instituições; ou, no limite,

- porque os dirigentes das instituições desconsideram os idosos enquanto pessoas merecedoras dum serviço com qualidade porque “- Já são velhos e não valorizam essas coisas!”. Estas situações desumanizam uma prática que deve ser humana, sensível, dialógica e empática, dando lugar a “práticas estéreis e descentradas dos sujeitos destinatários da sua intervenção” (Ribeirinho, 2013: 199).


Posto isto, urgem alterações urgentes à gramática da intervenção social atual. Em processos orientados para a mudança e transformação, a importância da reflexividade representa um desafio intelectual e epistémico importante. É capital que os técnicos, aqueles que planificam, executam e avaliam o processo de cumprimento das diretrizes definidas pelas entidades estatais que tutelam os serviços discirnam o essencial do acessório. Neste contexto, os esforços da futura política e intervenção social e educativa devem ser canalizados para alguns dos seguintes desafios:

1. Fazer compreender socialmente que a senioridade é mais uma etapa da vida, igualmente importante a par com as demais;

2. Estabelecer redes de solidariedade e coordenação entre os serviços sociais e de saúde dirigidos aos seniores;

3. Proporcionar mais informação acerca do processo de envelhecimento;

4. Fomentar, a nível municipal e/ou privado (com preços praticados de forma justa) a criação de políticas sociais, educativas e culturais com o mesmo grau de relevância aquelas que existem para as crianças/jovens.


Para que possamos romper com as dinâmicas assistenciais típicas de épocas passadas, é fundamental quebrar com o conceito tradicional e estereotipado de velhice. Independentemente do modelo de cuidados formais escolhido, o serviço prestado deve cumprir com as necessidades sanitárias, económicas, culturais, sociais e educativas subjacentes à promoção de uma vida digna e com qualidade.


Finalmente, somos obrigados a reconhecer que esta reflexão se encontra incompleta e inacabada, deixando-nos mais despertos à reflexividade tão importante na prática de qualquer Educador Social ou Assistente Social, pelo que a complementaremos com a alusão dos Direitos das Pessoas Idosas consagrados na Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 46/91):

DIGNIDADE: As pessoas adultas mais idosas deverão viver com dignidade e segurança sem ser objeto de exploração e maus tratos;

INDEPÊNDENCIA: As pessoas adultas mais idosas têm o direito a residir em domicílio próprio o máximo tempo possível; ter acesso a programas socioeducativos e/ou de educação permanente; a poder participar na determinação do momento em que deverão desvincular-se do mercado de trabalho;

REALIZAÇÃO PESSOAL: As pessoas adultas mais idosas deverão poder tirar proveito de oportunidades de formação, bem como ter acesso a recursos educacionais, culturais, espirituais e de lazer da sociedade a fim de desenvolvem as suas potencialidades;

PARTICIPAÇÃO: As pessoas adultas mais idosas deverão permanecer integradas na sociedade, participar ativamente na formulação e implementação de políticas que afetem o seu bem-estar; aproveitar as oportunidades para prestar serviços à comunidade, trabalhando como voluntário, de acordo com seus interesses e capacidades;

ASSISTÊNCIA: As pessoas adultas mais idosas deverão beneficiar de serviços de assistência, proteção, reabilitação, estimulação mental e desenvolvimento social que lhes assegurem os melhores níveis de autonomia, segurança, qualidade e dignidade, mantendo ou adquirindo o bem-estar físico, mental e emocional, prevenindo-se da incidência de doenças.



BIBLIOGRAFIA

MSSS. (2014). Carta Social, Rede de Serviços e Equipamentos, Relatório 2014. Lisboa, Gabinete de Estratégia e Planeamento.

MSSS. (2017). Carta Social. Rede de Serviços e Equipamentos. Relatório 2017. Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP).

Portaria nº 38/2013, Estabelece as condições de instalação e funcionamento do serviço de apoio domiciliário, publicado a 30 de janeiro.

RIBEIRINHO, Carla (2013). “Serviço Social Gerontológico: contextos e práticas profissionais”. In Carvalho, Irene (Coord.), Serviço Social no Envelhecimento. Lisboa, pactor, pp. 177-200.


PARA CITAR ESTE TEXTO DEVE FAZÊ-LO DA SEGUINTE FORMA

Crispim, R. (2019). Serviço de Apoio Domiciliário: reflexividade e estratégia. Revista 4SÉNIOR – Mais atividade, Mais vida, julho (2019), 30-34.





[1][1] A propósito da realidade Portuguesa no ano de 2014, é possível afirmar que em Portugal continental, existiam 2.703 serviços de apoio domiciliário, 107.764 vagas e 78.044 clientes (MSSS, 2014).


[2] Concordamos porém com a ressalva de Ribeirinho (2013: 198) quando esta refere que é capital e necessário serem criados “modelos organizacionais que garantam a eficácia e a eficiência da intervenção, e que vão para além da boa vontade e da caridade”, sob pena de se correr o “risco de reduzir a intervenção social a um formalismo, a um tecnicismo burocrático, esvaziando o seu conteúdo teórico, ético, político e axiológico” (idem, ibidem: 198).


Posts Recentes
Arquivo
Siga-me
  • Facebook Basic Square
bottom of page