top of page

NA MINHA VIDA MANDO EU


Imagem: Daniel Eime (2016)

É tão estranho que nos comandem a vida, como estranha é a conjugação entre massa macarronete e chocolate. «Na minha vida mando eu» deveria de ser uma verdade de La Palice, algo que parece decorrer da liberdade de cada um, das decisões de cada um, do livre arbítrio de cada um, da vontade de cada um. Mas desengane-se quem acredita que esta é uma expressão popular que todas as pessoas se possam dar ao luxo de proferir.


Mais estranho e longínquo se torna se falarmos de «liberdade». Aquela que as gerações atuais têm como adquirida quando nascem, associada a uma conquista, a uma luta, a movimentos de pessoas que agora são pessoas idosas que protagonizaram o 25 de abril de 1974. E mais (!), são estas pessoas que agora são idosas quem manteve os valores de abril quase inalterados até hoje. É insólito e, no limite, promiscuo pensamos que a liberdade conquistada pelas pessoas idosas quando eram jovens, é-lhes agora retirada das mais variadas formas.


Hoje, o que mais prolifera em cada esquina, em cada ruela, em cada casa, em algumas instituições que prestam apoio às pessoas que experienciam a fase última da vida (não todas, felizmente) são pessoas idosas que cedem, ou melhor, têm de ceder aos caprichos dos e das “grandes” espertos e espertas servindo de marionetas dos que julgam, por exemplo: “- Para os velhos qualquer coisas basta”, ou “- Envelhecimento ativo é pôr os velhos a mexer”.


Ora, a sociedade e as instituições que nela existem potenciam o fracasso e a evidenciação das perdas das pessoas idosas quando as impedem de manter a autonomia, o poder decisório e a participação ativa em assuntos que as afetam. Ou seja, uma instituição que atua tendo por base receitas do passado, incapaz de compreender o presente (que perpetua diariamente ações diretivas, paternalistas e idadistas) que sente um vago cheiro a azedume do futuro, é um cemitério de gente viva.


Destas instituições ninguém quer. Creio eu! Mas elas proliferam e multiplicar-se-ão se continuarmos a assobiar para o lado. Se continuarmos a associar às pessoas idosas a “perdas” (isto é, perda de status, perde de saúde, perda de rendimentos, perda de capacidades, perda de funcionalidade). Se nos mantivermos impávidos e serenos a aguardar pela vinda de D. Sebastião que nos salvará das garras dos espertos. Se continuarmos a levar a cabo técnicas e metodologias usadas no passado como se as pessoas idosas fossem um coletivo de pessoas iguais umas às outras e acríticas acerca da realidade que as rodeia. Se… se… se…


Se queremos instituições de vida, não podemos assobiar para o lado, não podemos equiparar pessoas idosas a perdas, não podemos esperar mais por D. Sebastião, não podermos continuar a acreditar em técnicas e metodologias do passado (já obsoletas e com bolor) e muito menos continuar a acreditar na ignorância, falta de (in)formação e interesse político que nos tolda o pensamento e nos faz crer que “vai ficar tudo bem”.


Precisamos sim de devolver às pessoas idosas a liberdade que conquistaram em 1974 e que hoje as gerações mais jovens beneficiam. Precisamos de capacitar e dar as ferramentas necessárias para as pessoas idosas reivindiquem os seus direitos enquanto Pessoas, sem serem ridicularizadas e vistas como seres alienígenas, velhas e velhos gaiteiras/os. Precisamos de voltar a acreditar nas pessoas idosas, nas suas histórias de vida, no seu conhecimento, na forma como construíram a cultura e a sociedade de hoje. Precisamos de ser humildes para ouvir e concretizar uma expressão tão lúcida, tão constrangedora e tão “de todos” como “Na minha vida mando eu”.


Imagem: Daniel Eime (2016)


Posts Recentes
Arquivo
Siga-me
  • Facebook Basic Square
bottom of page